segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Como você.


Ei, você cheio de manha, com as veias pulsando testosterona, presta atenção!

Se é de hormônio que você se gaba, temos dois. Exalamos feminilidade e não estou falando do perfume de rosa ou da maquiagem, que ao fim da noite provavelmente não terá vestígios. Tô falando de ser fêmea, de levar no corpo o desejo do mundo todo, tantas vezes a nós negado; fêmea que se embriaga na primeira nota de um blues, desce até o chão num funk, faz faceirice num samba, em cima de um salto ou sobre pés descalços, e se apropria do tempo em um canto, desafinado, que seja.

Tô falando de mulher com alça do sutiã à mostra, quiçá com as bochechas da bunda desnudas, e com aquela velha mania e nova desinibição de tirar a calcinha do meio das bandas, ali, no meio de todo mundo. Pode ser com uma saia rodada, ou um vestido curto, essa mulher que transborda a noite, que pensa e que não mais cala, carrega no peito a ilusão de ser compreendida, de ser lida. Ela só deseja estar alcançável por sua humanidade, ser tocada como gente, abraçada como vida, querida pelo sangue que lhe mantém firme no sonho e na luta. Não a reduza a um suculento pedaço de carne pronto pra ser atacado.

Você, tão cheio de si, com essa mania de querer ter, não enxerga, mas ela tem vontade própria. Ela quer escolher quem beijar, com quantos ficar, pra quem dar e com quem conversar, exatamente como você o faz. Ela sabe que pode olhar pro lado e desejar, como também pode olhar e se desagradar, exatamente como você o faz. Não se irrite, não é marra. Ela só segue o corpo, como você o faz. E sim, pode ser marra. Ela não quer lhe pegar, como você tantas vezes preferiu não fazer.

Não se ourice demais se ela lhe apertar forte ou lhe enroscar as pernas. Pode ser só um jeito carinhoso/assanhado de lhe dar um oi. Não necessariamente significa um “sim” no fim da noite ou que você possa grudar, lhe alisando a pele como se fosse roupa nova. Na maioria das vezes, ela também vai preferir ficar solta e ter o vento como seu melhor toque. Também não se choque se ela não tiver mais nos dedos a conta dos corpos com que se atracou. Ela tem curiosidade dos beijos, dos gostos e dos jeitos, como você também tem.

Se ela tá avulsa, solteira, de mãos vazias, não leia: “tá disponível!” Ela não é um reservatório de cantadas, tampouco uma caça. A disponibilidade dela vai depender do que seu corpo comunicar. Sabe, mais inteligente mesmo é dialogar, seja por palavras, seja por gestos, seja por olhar...não ultrapasse a linha do “posso agarrar” sem andar pela linha do “tá afim?”.

Não se assuste se ela lhe encara ou se lhe sussurra, ou se no envolvimento, ela lhe agarra o pescoço e lhe beija os lábios ou outra parte qualquer. Ela não é puta ou “fácil”! Só não se priva, nem refreia seus instintos se eles lhe levarão onde ela quer, exatamente como você procede. Nem ache que ela estará ali sempre paciente, na espreita dos seus movimentos. Ela saberá avançar, é só você lhe permitir fazer. Você, com sua “macheza”, que acha que sempre sabe em que terreno está pisando, rotulando e padronizando condutas, separando as santas, que precisam ser cortejadas, e as vadias, que gritam por ser abordadas; as fáceis, que só precisam ser apalpadas, das difíceis, que precisam de um festival de lábia... Quanta asneira! Permita-me apenas dizer que uma mulher não tem porque dificultar se ela também quiser ficar, a não ser que seja charme que ela ache interessante jogar. E tenha a certeza que ao “facilitar”, ela pensava no prazer dela, não no seu ego masculino infantil.

É que você segue uma dinâmica tão violenta, regida pelo enrijecimento do seu queridinho entre suas pernas...mal sabe que entre as dela corre um mundo de segredos, que ela revelará pra si, quem sabe pras amigas, aquelas com a cabeça tão livre quanto a dela...Se você fosse um pouquinho menos patético e fálico, conheceria esse segredos e provavelmente faria bom proveito, junto dela. Essa violência que nos tira a fala, que nos suprime a ousadia, que nos arranca a coragem, que diariamente nos impele ao auto-enfretamento, doloroso e contraditoriamente calado, não lhe permite perceber: ela pode querer sexo, e só sexo, como você também quer. Ela só não quer ser deixada na fila de espera, com senha marcada pra quando bem lhe aprouver.

Não pense que ela também não tem seus vários/outros alvos. Ou que ela também não saberá lhe deixar esperando um telefonema no dia seguinte. Ela preza pelo nascer do sol coroado por seu espelho, com um sorriso nele refletido de quem lembra: “Foi bom. Tô pronta pro dia, tô pronta pra outra.”.

Você e esse péssimo hábito de se camuflar nas situações, em nome de seus interesses penianos, descartando a companhia de uma fêmea legal, ocultando seus rastros, silenciando sua existência diante de outra fêmea, achando que ela comprometeria suas aventuras...No máximo, ela lhe sorriria, fumaria um cigarro, degustaria uma bebida e dançaria, sozinha ou acompanhada. E quando você acha que a mudez dela não quer dizer nada, pode querer dizer tanto...ela cala talvez porque não lhe foi dada a palavra. Mas ela gritará...ô, se gritará! Com os pulmões, produzindo eco, abrindo os braços, dançando...

Entenda: ela tem querências, como você também tem. Se você quer a liberdade, de escolha, de prática, de fala, de pensamento, ela também quer. Se é de desprendimento que você sente falta, ela também o reivindica. Se você não nega seu corpo, ela também assim o faz. Se a noite acabou, não significa que ela queira o dia também. Mas se a noite pode se repetir, porque não, se os sentidos assim reclamarem? Isso não implica amarra, comprometimento... é só um lance, com direito replay. Nada disso faz dela menos mulher, de forma inversamente proporcional ao que te faz mais homem. São desejos humanos, inerentes ao corpo e à vida. Falta-lhe enxergar que enquanto ela foi roubada, subtraída, você foi contemplado, beneficiado. Às vezes, você enxerga, mas covardemente, se aproveita. Ou, às cegas, de tão mal-acostumado, negligencia.

Essa mulher só quer sorrir. Levar da vida o gosto do prazer e a certeza do amar. Respeito, admiração, carinho, sonhos...ela também quer carregar. Ela quer a voz, a vez, o caminhar, sem dedos ou armas apontados no seu nariz, dizendo-lhe o que fazer, como viver, o que usar. Ela quer o direito de seguir, sem repressão, amargura ou determinações. Ela quer do mundo só o seu existir, exatamente como você o faz...