quinta-feira, 26 de julho de 2012

Descompasso.


o mundo lá fora corre tão depressa. 
e o meu é tão meu, lento.
não sou chave nesses tempos.
não sinto encaixe.
não sei derrotar golias dia-a-dia
porque ainda estou pensando como atacar.
mas o mundo é tão depressa.


só sei amar.
e no amor, esperar
que o mundo ao meu redor gire um pouco mais devagar.
ele não vai.
são passos tantos os que estão próximos...
e a respiração é pouca
não consigo alcançá-los.
é quando exijo respeito do meu espelho.
mas é só meu quarto.
dos meus pensamentos e agonias.
o mundo continua rápido.


achei que na lentidão da partilha 
os passos se acertassem.
não vão.
não sou chave nesses tempos.
não sinto encaixe.
vou sonhar, devagar.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Wondering.

Tempo ou distância?
Qual das duas carregará a culpa pelos dias desacompanhados
pelas noites abstêmias
pelos risos desencontrados
pelas bocas sedentas, desamparadas...?
Qual das duas responderá pela morte do que nunca foi (talvez)?
Ou pela dúvida certa do improvável?
Talvez o inevitável,
mãe de ambas, tempo e distância...
"Questions of science, science and progress, don't speak as loud as my heart".

sábado, 10 de março de 2012

Aspirinando.


Ando querendo escrever pra mim algo que me alivie a dor e que me dê um pretexto pra colorir meu sorriso, assim, despretensiosamente, como quando criança, que pintava os braços dos bonecos de verde e roxo e tudo fazia sentido.

Histórias e universos paralelos me interessam. Desterritorializo os sentimentos, letras e melodias, cenas que me remetam a lembranças criadoras de desejos que não se sustentam, porque não podem, porque não devem ser. Rezo pra desapegar os pés do chão, ou pelo menos para que, uma vez aí, andem empareados, em consonância. Súplicas do desespero, da insanidade lesiva, corruptora e desestruturante.

Anjos, demônios, o purgatório dantesco, o censurável, o pagão, o abstrato, os astros... me interessam. É por onde ando, entendendo que a vida é trânsito contínuo entre o que foi e se presume não mais ser. Aqui, então, nada morre. O que se costuma dar por acabado é força vital pro recomeço, pra retomada, pra revivência, pro retorno. Estou em constante retorno...

Não posso mais retornar. Preciso partir. Meu tempo é hoje, tem de ser. Porque então? Porque esse janeiro cinza, um fevereiro de sons, março e suas águas fechando o verão, abrindo alas ao que não posso conter, sinalizando-me um abril despedaçado, um maio descompassado, um ano espiral, desencontrado, abissal?

Um desalinho ou um casamento entre os astros, e uma silhueta feminina dando a ordem dos meus dias, foi o que me disseram. Eu achei que ela estaria aqui, abraçável, real. E, surpreendentemente, ela está. Toda sinais. Meus braços só a alcançam precisamente no que não posso tocar. Mas a respiro, ela está lá pra me levar.

O que queres de mim? Onde queres chegar? Por onde devo ir? Abraça-me, beije-me, passe a mão nos meus cabelos e me deixe ir. Deixe-me descobrir. Deixe-me encontrar-me, deixe-me ecoar. Não posso retornar... Não posso. Alivie-me e vá, preciso seguir, tenho de.

sexta-feira, 9 de março de 2012

08 de março, a vida nossa de cada dia.



Todos os anos os mesmos parabéns, de homens e mulheres, pelo 08 de março, dia internacional da mulher, dizem. Prefiro ressaltar que esse é, na verdade, um dia em torno do qual as mobilizações, especialmente as populares, buscam estampar em nossas caras a sociedade patriarcal que temos.

Pesquisas recentes mostram que essa data foi escolhida e assim intitulada após uma assembléia de mulheres que, cansadas da miséria e das condições humilhantes da Rússia pré-revolução de 1917 a que se submetiam e que atingiam suas proles, tomaram as ruas, gritando por “pão e paz”, contrariando, inclusive, o movimento pré-revolucionário que se organizava e que, todavia, desconsiderava aquele março como o momento estratégico para a eclosão das lutas.

De rua em rua, elas passavam e tocavam a mãos de outras mulheres e homens, suplicando-lhes que se somassem à sua mobilização, argumentando-lhes: “é por nossos filhos.” Em poucas horas, as ruas e demais espaços públicos estavam ocupados pelas classes populares, num episódio considerado o marco do início dos atos da revolução socialista naquele país. Elas, mulheres, conscientes de sua força, foram capazes de romper o silêncio, guiadas por seus corações, desafiando seu tempo, levantando suas vozes contra a pobreza e desumanização.

É desse 08 de março que quero falar: o 08 de março que nós, mulheres, vivemos todos os dias, quando sobrevivemos à violência física e sexual que ousa se manifestar baseada na sobrevaloração do desejo e da força masculinos, vitimizando-nos e culpando-nos, simultaneamente; esse 08 de março que é tão cotidiano quanto nossas superações de nós mesmas, frutos que somos da educação que nos é transmitida, machista, dissimulada de correta, absurdamente escravizante, definidora de nossos lugares e limites; esse 08 de março que tantas vezes não nos alcança, porque somos duplamente marginalizadas, por sermos pobres e mulheres; esse 08 de março que, milagrosa e corriqueiramente, sobrevive a nós, que já não nos sustentamos sobre nossos próprios pés, de cansaço do dia, do trabalho árduo, do leite das crianças, do conforto do marido; esse 08 de março que ousamos comemorar no fim do turno, com amig@s, bebendo umas cervejas, fumando alguns cigarros, que termina por nos criminalizar, porque não somos santas, respeitáveis, mas putas; esse 08 de março que tantas vezes significa abandono, desamparo, incompreensão, exploração...

Não quero recusar os parabéns. Pelo contrário, quero espalhá-los. Somos negras, brancas, índias, mulatas, mestiças, índias, asiáticas, de cabelos soltos ou não, somos sobreviventes de nossos dias, donas do nosso 08 de março.

Todo dia é dia 08 de março para nós, como naquele histórico ano russo. Parabéns, companheiras.







domingo, 29 de janeiro de 2012

Carta (aberta) ao mundo e (escondida) ao meu pai.


Eu esbravejo. Choro e me desfaço em dez mil pedaços. Já perdi as contas de quantas vezes acordei com os olhos inchados pelas lágrimas da madrugada. E só me resta ressentimento e raiva do dia, raiva do sol, raiva da música que levo comigo.

Na primeira oportunidade, corro pro meus amigos...procuro o aconchego que em você não encontro e a chance de ser ouvida que você me nega. Percebo, enfim, que a única linguagem que nos aproxima é o grito. Eu de um lado, com a voz embargada e alta, você do outro, firme, cheio de certezas, aos brados. Nunca conseguimos nos comunicar. Mas te conheço. Mesmo sem nunca termos terminado uma frase em que tenhamos nos entendido...sem que tenhamos nos conectado.

Somos mesmo muito diferentes. Porque não sei ser o que não sou. Já você, é brilhante como fingidor. Finge tanta fortaleza, nessa postura séria, nessa honestidade inquestionável, na coragem pra lida diária. No fundo, nós dois sabemos que desmoronas todo dia. Ou pelo menos antes de dormir, quando te escuto em conversas consigo mesmo, sofrendo, se martirizando. Me pergunto quando toda essa dor se tornou maior. Pior: imagino quantas vezes você a viveu pura e intensamente, só.

Mas eu só queria te dizer que você ainda tá no comando. Não da minha vontade, da minha liberdade e dos meus sonhos. Esses, faço questão de mantê-los meus, muito meus. Nenhuma palavra dessa sua soberba sapiência poderá modificá-los. Sequer podem questioná-los. Mas comandas algo que me norteia e me movimenta mais que qualquer outra coisa: o amor. Meu coração, tem dias, chora baixinho, sussurrando “pai, pai...”. Esses dias são como hoje, que todas as minhas ações se direcionam a você e ao seu sossego. No resto, você continua lá, no ritmo cardíaco das minhas emoções, bipando como quem me alerta: “Eu existo!”. Sei que eu sou mais que um bipe no teu peito...sou uma bandeira hasteada nas tuas horas. E sei que cometo erros grosseiros, como você também o faz.

Mas você é isso. Tudo. Toda a minha raiva. Toda a minha luz. Toda a minha paz. Toda o meu grito. Toda a minha dor. Toda a minha segurança. Todo o meu conforto. Todo meu...porque você assim escolheu. Eu nunca agradeci por você me escolher todo dia, desde a hora que se levanta cedo pra labuta até a hora que cerra os olhos, ainda falando consigo mesmo, balbuciando meu nome.

Queria que você pudesse me ler. Mas minha coragem ainda não deixa. Por enquanto, vou jogando meu amor por você no mundo, do meu jeito, nas minhas linhas, percebendo que é muito mais fácil escancarar aos outros o que te guardo do que a você. Se soubesses como não te expressar essa verborragia me mata de medo...nunca, nunca mesmo, se atreveria a duvidar de quem sou.

Eu sou o que você criou, dando banho e levando ao colégio e ao médico no aperto do ônibus, com o sol alto. Eu sou a colher de feijão com arroz que dividias nas madrugadas, antes de dormir, quando eu vestia só calcinhas e frenquentava teu colo e teu ombro, onde você assobiava pra eu ter sono. Eu sou a dancinha engraçada a que você nunca resistia e caía na gargalhada cada vez que me assistia. Eu sou a menina que compra o pão e traz o troco. Que passa a mão nos teus cabelos brancos dizendo com os dedos: “te amo!"

Eu te amo, pai! Sabe, é só isso... Te amo como nunca, nem em todas as vidas que quero viver, amarei alguém.

Tua filha que te escreve cartas e não te envia...

Juliana, a Andrade que leva teu nome Marreiros com todo o orgulho do mundo.




quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Machismo, dor, lágrimas e a noite que alimentou a luta.



Muita, mas muita dor de cabeça. Foi o que me causou o filme Terra Fria (North Country), além de náuseas, inquietação, lágrimas copiosas e indignação. Eu assisti ao filme por acreditar que teria enfim um alívio pra enxaqueca que me perseguia desde o momento que o dia nasceu. Expectativa frustrada. Só me sobrou a tentativa de esbravejar (ainda com as mãos trêmulas) toda a dor, muito além da física, que esse filme deixou. 

Uma história real, ocorrida em 1989, no Estado de Minessota, Estados Unidos, no interior da Empresa Mineradora Pearson, cenário onde se passeia por toda sorte (pra não dizer desgraça) de manifestação machista que se possa conceber (ou não conceber). Superando o ambiente insalubre das minas, as opressões contra a mulher não se restringem ao espaço de trabalho, mas avançam pelos lares, estádio de hóquei, ruas, escolas, bares, mesa presidencial da Compania onde Josey (a protagonista da história) trabalha, a corte do Tribunal, além de, é claro, pelo corpo, pela pele e por toda a vida das vítimas mais diretas desses atos cruéis.

Esse post, que se pretende curto, só tem o intuito mesmo de reafirmação. Preciso reafirmar a necesssidade da luta feminista. Nunca, nunca mesmo, me senti tão ferida, tão humilhada na minha dignidade feminina como nas cenas desumanas que esse filme promove. Senti minha carne pisoteada, senti meu corpo ser violado, senti cada tapa na cara, cada mesquinharia dita ou feita e, juro, senti-me fraca, senti-me nada. Mas as lágrimas demasiadas não adiantam. Não servem de nada além de ratificar o mito do sexo frágil. As lágrimas só servem se acompanhadas da luta, da força da indignação capaz de nos levar, mulheres, todas, a um novo rumo para nossa história. 

Sou feminista. Tenho orgulho de ser mulher. De ter uma buceta entre minhas pernas, que NÃO, não está disponível a quem quiser tê-la, mas pra quem eu quiser dar. Quero e tenho o direito de trabalhar, de cuidar de mim, de gozar dos benefícios que a vida pública tem para me oferecer. Quero ter a liberdade de sair na rua sem ter medo do que possa me acontecer, sem temer a fúria ou a possessão sexual doentia de outrem, não importa que roupa eu vista. Não, não aceito o lar, o marido e os filhos e/ou filhas como meu destino, mas como possíveis escolhas. Quero ter a liberdade de me embriagar e não, isso não significa que quero ser estuprada. Quero a liberdade de fala, de pensamento, de comportamento, de lugar no mundo. Eu e toda e qualquer mulher.

A minha lágrima não é minha. É de todas nós. Chorei sim e derramarei litros cada vez que sentir no meu corpo a  dor de outra mulher, ou ver nela os olhos inchados, seja das noites em claro e sob o pranto, seja pelo abuso da força, da violência. As minhas lágrimas de hoje são só parte do meu reconhecimento e da minha solidariedade, que prefiro ter por irmandade, à luta histórica de tantas mulheres por respeito e dignidade.

P.S.: o trailler não achei legendado. o vídeo fica apenas como demonstrativo, muito tímido, frise-se, do turbilhão que o filme provoca.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Carta ao Amor.


Amor;


Nunca saberei se gozo de condições para falar sobre ti. Sinto meu Davi interno querendo escrever sobre Golias, o gigante pretensamente inalcançável. O mundo inteiro fala de/em ti, soberbamente cria verdades absolutas, limita até onde tu vais, até onde tu te sustentas, produz filmes e livros com as tuas histórias, te individualiza, te coletiviza... Como poderia eu arriscar umas linhas sobre algo que ocupa todos os espaços e assume tão variadas formas?

Uma convicção eu tenho: tu és indefinível. Linda, dolorosa, insustentavelmente indefinível. Definir é explicar, ainda que limitadamente. Mas tu só te explicas quando chegas, quando invades, quando arrastas, quando abraças, quando maltratas, quando matas um sem número de vezes por dia (às vezes por hora), quando emudeces, quando sufocas, quando, ao fim, de cansaço ou de simples vontade, arrancas um sorriso, tão somente por existires. Contraditoriamente, tu te explicas sem palavras. 

Que tolice a minha, colocar-te em papel! Há tanto tempo te sinto, durmo e acordo contigo ao meu lado, dentro de mim... Não me lembro da última vez que te coloquei em vocábulos. Sempre me julguei muito incapaz para tanto. Sempre é sempre. Hoje é sempre. Mas é só a vontade de dizer que tu estás aqui. Louco e sempre. Por vezes tão quieto, calmo, calado. Nesses dias, te amo. É quando tu te identificas facilmente nos versos e melodias alheios. Chega a ser sublime, de tão simples. Em outras tantas vezes, porém, tu estás revolto, assustador, não me deixa um segundo de paz. Mas tu és mais ousado: tu te misturas entre pequenas confusões e grandes calmarias e vice-versa, o tempo todo, o tempo todo... 

O que sinto por ti? Sinceramente, muito ódio. Vejo-me dia a dia induzida à pratica do delito. Desejo cometer amoricídio da hora que abro os olhos ao momento que os cerro. Como não querer-te morto, quando só trazes reticências? Um monte de pontos sem sentido, seguidos de vontades súbitas quase nunca realizáveis, por isso mesmo, raramente realizadas... Como não querer te sufocar, quando tua paz me trai? Quando no auge da tua vivacidade, me secas, me enches de vazios só preenchidos por perguntas e especulações sem nenhuma razão? Quando tu vens, cheio de vontade de se entregar, abusas do parasitismo que estabelecemos: tu cresces e te derramas, ao passo que meu peito, fadigado de bater e de por ti trabalhar, perde, pouco a pouco as forças... Definitivamente, passaria bem sem ti, grata por perguntar. 

Não me venhas falar em liberdade, te imploro! Porque mesmo que sejas vivido livremente, tu não deixas de ser o que és. És amor, em cárcere ou ao vento. Nessas condições, tu vens com prerrogativas. Tu perquires um acordo: “Vá! Caminha, corre, te percas, se quiseres. Mas mande notícias. De preferência, pessoalmente. Aproveita, fica um pouco, te aconchegas e te espreguiças, sem pressa, que abrigo e mimos não te faltam.” Se não recolhes tal anuência, tu, amor, te desesperas, esperneias. Já não tenho capacidade para o diálogo: tu te remexes, te impões e me devastas. 

Já te destes conta do quão violador tu és? E, nas tuas violações, o quão violento te tornas? Tu, que quando nasces, finge pacificidade, pedindo um pouco mais de espaço, convencendo a teu hospedeiro que lhe abras as janelas. Iludid@, @ don@ da casa te estende as mãos, já que "Amor é quando é concedido participar um pouco mais.", como disse Lispector. Ela, certamente, não se referia a quando tu arrebatas sem licença, sem motivação, sem justificativa... Aí, tu já estás cheio de si, narcisista, irredutível. Já não precisas de fundamentação, tu arrombas a porta da frente e destranca a porta dos fundos... aquela que preferimos abrir só para os íntimos. Quando te sinto mudar a mobília, a ordem dos meus cômodos e as cores das minhas paredes, já nem me lembro como te deixei entrar. Nem preciso. Tu já estás alojado e eu, rendida. 

Tu falas alto, muito alto. Eu, silencio. O silêncio, esse eu domino. Auto-proteção, egoísta e besta, eu sei. Mas até este que reivindicava meu território, tu invades. Tu o aperfeiçoas, intensificas. Já não falo com as mãos, nem com os pés ou com gesto algum. Enquanto tu... tu gritas, escandalosamente. Estampastes uma placa de neon na varanda do meu miocárdio, com direito ao barulho infernal de mil sirenes. No meu rosto criastes as olheiras que hoje carrego. Insônia é teu segundo nome. 

Porém, nessa relação conflituosa, nada é pior do que essa dependência gratuita. Fazes-me precisar e querer ser precisada. É um precisar de que não posso me furtar, chegando a se igualar com o direito de reivindicar o direito de participar. Quem ama quer participar sim. Posso eu te questionar? Tenho dúvidas, porque desconheço o amor indiferente. Resta-me, além de todas as tuas perigosas exigências, aceitar mais esta, sendo conivente com seus frutos colhidos ou não. E se a mim não é concedido participar? Dane-se. Tu já estás aqui, pronto pra massacrar. 

Comecei essa carta sem qualquer intenção de te ofender. Verbalizando, penso, te seria honesta, leal, colocaria as cartas na mesa. Pensar em ti, no entanto, é viabilizar o exercício incontinente de libertar o que já quer extravasar. Pensar em ti é seguir pro caos, correndo o grande risco de penetrar na solidão. A solidão das palavras perdidas, que nada explicam, ou das cartas não respondidas, como essa que em vão te envio. Já me foste bem direto: tu és grande, tu és forte, tu comandas. Nem todas as pragas que eu te rogue, nem todas as mandingas que eu intente contra teu nome, nem todo o ódio que por ti eu nutra, serão capazes de te fazer partir. 

Então, deixo as portas abertas, para que (infelizmente, eu sei, ao contrário da impetuosidade com que me adentrastes) decidas, por cansaço ou por insatisfação, arrumar tuas malas de minha carne, olhos, alcance e deslumbramento e de mim sumir. Ou quem sabe, com tudo de mais bonito que te monta, decidas retribuir-me com afagos n’alma e ficar.

Ass: aquela a quem tu torturas.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ato de última vontade.

em tempos de lutas coletivas, de revolução e indignação nas ruas da minha cidade (e que orgulho do povo teresinense!), sinto como se eu estivesse cometendo um crime (ao contrário dos presos políticos aqui apreendidos na última terça-feira) em parar pra escrever sobre mim e fazer essa postagem. mas lembrei da função a que destinei esse blogue, assim como a pedaços de papel soltos, folhas finais de cadernos e diários.

"...preciso demais desabafar." colocar em algum lugar do mundo, mesmo que seja apenas meu, essa angústia que me transforma em ameba, lixo humano. preciso entender, mesmo que sozinha, essa confusão estúpida, vulgar, egoísta que vem me invadir. preciso me entender, entender meu tempo e toda essa cachoeira de dor que insiste em se derramar por/em mim.

eu não tenho medo da morte. aliás, ela tem estado tão próxima, que já é quase banal. isso não quer dizer que eu lhe seja indiferente. acho até que a morte traz sabedoria a quem sobrevive, nem que seja forçada. se ela viesse hoje até mim, confesso, eu iria feliz. não pela vida que tenho, como se partisse de missão cumprida, tendo sido a mais feliz das viventes, mas pela morte em si. tenho sentido uma saudade imensa do que não tenho mais. chego a acreditar piamente que após a existência terrena deve haver um conforto pra alma que fica vazia com a perda de alguém. quiçá/oxalá um reencontro! eu tenho medo mesmo é de mim, viva!

o medo é quase como alimento pra mim. eu diria que alimento com agrotóxico. meu veneno diário. em verdade, me sinto morta, de tanto medo. 24 anos de morte quase ininterrupta. não nasci pra viver, pelo menos não muito até aqui. nunca questionei um professor, por medo. cresci sem grandes contestações a meus pais. pouco ou nada transgredi a ordem aqui estabelecida. pouco fui punida. servir de experimento para tal função pedagógica da pena, entretanto, não me apetece nem me deixa orgulhosa do meu passado: nunca ter apanhado demonstra que sempre obedeci ao que me era imposto, sendo certo ou errado, sendo justo ou não, ferindo a mim e meus direitos ou não. sempre temi, mais do que protestei. na escola, ser motivo de chacota ou humilhação sempre me causou um efeito desprezível: corria, me escondia do mundo, ao invés de partir pro confronto. desconheço a arte do enfrentamento.

o direito de pensar, porém, nunca me foi negado. aos meus pais, a minha mais profunda gratidão por isso. podia o orçamento operar no vermelho no fim do mês, mas deixar de comprar o livro que fosse preciso/pedido nunca foi sequer ato por eles cogitado. eis aí o berço de toda a minha angústia: quem pensa, questiona, mesmo que silenciosamente. meus pais me ensinaram a pensar, mas me reprimiram a ação, a força transgressora. me incutiram o medo e a ele eu sempre fui fiel (a única fidelidade de que partilho: a que se firma com os próprios sentimentos), embora tenha conspirado a vida toda contra ele, lhe sendo desleal. que inútil: minhas lutas internas sempre me mostraram que ele é muito maior do que eu. cá estou, escrevendo sobre o próprio.

meus anos de universidade foram verdadeira saga do conflito questionamento/contestação/indignação X medo. advinha quem saiu ganhando? cinco anos desesperadores, onde transitei entre o movimento e a inércia, entre o coletivo e o individual, entre falar e não falar. calei, na maior parte das vezes. fugi de mais um bocado de chances. e hoje sou um poço profundo de arrepedimento pelo que me neguei viver, pelos momentos e construções que me usurpei.

meu medo tem dessas manipulações: ele me coloca contra mim. e em dias como os últimos, eu só tenho ódio e descrédito gratuitos pela Juliana de Andrade Marreiros. é tanto ódio que não queria mais existir. não, não quero mais exsitir. eu não quero mais estar no mundo, eu quero vivê-lo. mas eu não sei. nunca soube. não se vive caladx. não se luta caladx. não acredito nem no sorriso silencioso. parece frio, falso. sou esses 1,58 m de mudez. mesmo parecendo pouco, é muito pra mim. eu explodo todos os dias, quieta. cansei de ficar juntando meus pedaços.

eu não posso mais mentir. enganar a quem? não desejo estar aqui, nessa subvida. não tenho vontade de sair. não tenho vontade de ficar. não entendo os dias. nem queria acordar. há tempos não consigo ouvir. meus ouvidos se fecharam, porque não se ouve bem quando se encontra em coma. me sobra impotência. não sei que horas são. não sei meu RG (melhor seria não ter). não tenho vontades. respiro por aparelhos, quais sejam, as promessas falsas que andei fazendo. ando pequena, encolhida, nula. nem os sentimentos, esses que eu sempre dei um jeito de expressar, escaparam da minha covardia, do meu silêncio. escrever já não me ajuda. escrever se resumiu a nada.

estou morta em 2012, ainda que pareça prematuro dizer isso. vou na contra-mão de Belchior que, cheio de certezas, afirma "ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro!" que inveja, caro Belchior!