sábado, 10 de março de 2012

Aspirinando.


Ando querendo escrever pra mim algo que me alivie a dor e que me dê um pretexto pra colorir meu sorriso, assim, despretensiosamente, como quando criança, que pintava os braços dos bonecos de verde e roxo e tudo fazia sentido.

Histórias e universos paralelos me interessam. Desterritorializo os sentimentos, letras e melodias, cenas que me remetam a lembranças criadoras de desejos que não se sustentam, porque não podem, porque não devem ser. Rezo pra desapegar os pés do chão, ou pelo menos para que, uma vez aí, andem empareados, em consonância. Súplicas do desespero, da insanidade lesiva, corruptora e desestruturante.

Anjos, demônios, o purgatório dantesco, o censurável, o pagão, o abstrato, os astros... me interessam. É por onde ando, entendendo que a vida é trânsito contínuo entre o que foi e se presume não mais ser. Aqui, então, nada morre. O que se costuma dar por acabado é força vital pro recomeço, pra retomada, pra revivência, pro retorno. Estou em constante retorno...

Não posso mais retornar. Preciso partir. Meu tempo é hoje, tem de ser. Porque então? Porque esse janeiro cinza, um fevereiro de sons, março e suas águas fechando o verão, abrindo alas ao que não posso conter, sinalizando-me um abril despedaçado, um maio descompassado, um ano espiral, desencontrado, abissal?

Um desalinho ou um casamento entre os astros, e uma silhueta feminina dando a ordem dos meus dias, foi o que me disseram. Eu achei que ela estaria aqui, abraçável, real. E, surpreendentemente, ela está. Toda sinais. Meus braços só a alcançam precisamente no que não posso tocar. Mas a respiro, ela está lá pra me levar.

O que queres de mim? Onde queres chegar? Por onde devo ir? Abraça-me, beije-me, passe a mão nos meus cabelos e me deixe ir. Deixe-me descobrir. Deixe-me encontrar-me, deixe-me ecoar. Não posso retornar... Não posso. Alivie-me e vá, preciso seguir, tenho de.

sexta-feira, 9 de março de 2012

08 de março, a vida nossa de cada dia.



Todos os anos os mesmos parabéns, de homens e mulheres, pelo 08 de março, dia internacional da mulher, dizem. Prefiro ressaltar que esse é, na verdade, um dia em torno do qual as mobilizações, especialmente as populares, buscam estampar em nossas caras a sociedade patriarcal que temos.

Pesquisas recentes mostram que essa data foi escolhida e assim intitulada após uma assembléia de mulheres que, cansadas da miséria e das condições humilhantes da Rússia pré-revolução de 1917 a que se submetiam e que atingiam suas proles, tomaram as ruas, gritando por “pão e paz”, contrariando, inclusive, o movimento pré-revolucionário que se organizava e que, todavia, desconsiderava aquele março como o momento estratégico para a eclosão das lutas.

De rua em rua, elas passavam e tocavam a mãos de outras mulheres e homens, suplicando-lhes que se somassem à sua mobilização, argumentando-lhes: “é por nossos filhos.” Em poucas horas, as ruas e demais espaços públicos estavam ocupados pelas classes populares, num episódio considerado o marco do início dos atos da revolução socialista naquele país. Elas, mulheres, conscientes de sua força, foram capazes de romper o silêncio, guiadas por seus corações, desafiando seu tempo, levantando suas vozes contra a pobreza e desumanização.

É desse 08 de março que quero falar: o 08 de março que nós, mulheres, vivemos todos os dias, quando sobrevivemos à violência física e sexual que ousa se manifestar baseada na sobrevaloração do desejo e da força masculinos, vitimizando-nos e culpando-nos, simultaneamente; esse 08 de março que é tão cotidiano quanto nossas superações de nós mesmas, frutos que somos da educação que nos é transmitida, machista, dissimulada de correta, absurdamente escravizante, definidora de nossos lugares e limites; esse 08 de março que tantas vezes não nos alcança, porque somos duplamente marginalizadas, por sermos pobres e mulheres; esse 08 de março que, milagrosa e corriqueiramente, sobrevive a nós, que já não nos sustentamos sobre nossos próprios pés, de cansaço do dia, do trabalho árduo, do leite das crianças, do conforto do marido; esse 08 de março que ousamos comemorar no fim do turno, com amig@s, bebendo umas cervejas, fumando alguns cigarros, que termina por nos criminalizar, porque não somos santas, respeitáveis, mas putas; esse 08 de março que tantas vezes significa abandono, desamparo, incompreensão, exploração...

Não quero recusar os parabéns. Pelo contrário, quero espalhá-los. Somos negras, brancas, índias, mulatas, mestiças, índias, asiáticas, de cabelos soltos ou não, somos sobreviventes de nossos dias, donas do nosso 08 de março.

Todo dia é dia 08 de março para nós, como naquele histórico ano russo. Parabéns, companheiras.