aquelas palavras que teimam em não sair na exata precisão das reflexões.
e a gente se vê desarmada. especialmente quando, de tão acostumada a escrever
(mais do que dizer) nossa palavra, ela se transforma no instrumento da vida
contra um mundo que é campeão em (re)produzir morte.
nossa palavra, nosso empoderamento. nossa bomba
nuclear contra as prisões do tempo, das regras, das exatidões de ser. mas
nossos medos e anseios (e como ansiamos!) fazem de nossas palavras mortas. não
conseguimos mais colocar nas frases o que nossas idades repetem aos nossos
passos. e nossos corações estão ali, à beira de um colapso, entre a juventude
da esperança e a velhice das obrigações, do que tem de ser feito e do que
precisamos responder. estamos velhos e velhas. pior: sentimo-nos velhos e
velhas.
estamos no momento de acordos. acordos com os
dias, com o espelho, com as responsabilidades, com a paciência e com a falta
dela. estamos com um olho no que não podemos (re)fazer e o outro no que não
podemos esquecer. todo dia relembrando de onde viemos, de como aqui chegamos,
pra onde queremos ir. umas concessões ali, outras coisas das quais não podemos
e nem queremos arredar o pé. o tempo todo entre os limites, 'entre as agonias e
alegrias de ser'.
a gente sabe que não tem as respostas. e a gente
nem tem a pretensão de ter. nosso lance é estar ali, em eterna (des)feitura.
queremos estar de pé, por nós, pelos que amamos, pelo mundo. a gente sabe que
tem de carregar remos pesados, proporcionais à ousadia de sair do lugar que o
mundo nos disse pra estar. e tem aquelas ondas das quais não se pode desviar. e
nem tentamos. somos humildes. a gente sabe que erra e se enxerga capaz de
mudar. e a gente nunca perdeu essa mania de se repreender. mas é exatamente
onde a gente sabe que cresce, ainda guardando força nas nossas meninices, essas
que transgridem nosso controle e saem pelo poros.
a gente quebra a cara. recomeça. resiste.
persiste. e só sabe que só tem razão de ser porque tem outras coisas que
queremos conhecer. se fôssemos crianças, seríamos a creche das caras limpas
porém de narizes pintados, com todas as cores esparramadas no chão onde
sentamos e partilhamos o que nos mantém vivos e vivas. a gente gosta de chão. a
gente gosta da sujeira, porque o que é limpinho e asséptico não abarca nossa
imaginação e nossa falta dessa noção pré-fabricada. a gente faz tudo em casa. e é
tudo feito à mão.
a gente às vezes não sabe onde tá indo, ali,
naquele específico instante. e a gente bagunça. se bagunça e bagunça o resto.
mas sabemos que, do nosso jeito desengonçado, as coisas acham seu lugar torto, porque
nada com a gente é reto e acabado. mas a gente anda cansado... porque 'é
preciso força pra sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê.' e já conhecemos nossa kriptônita. tantas vezes diante dela a gente se
enfraquece. e tantas vezes a gente gastou da força que a gente tinha...
mas a gente vem aqui e escreve pra se empoderar.
às vezes a gente vai até o bar mais central da cidade, renovar as energias. às
vezes, a gente se encontra numa música. às vezes, numa lembrança. o certo é que
se a gente sabe das nossas fraquezas, também conhecemos nossas baterias.
sabemos pra onde ir quando a gente quer recarregar. porque a gente sabe que a
vida é foda e sem querer a gente perde uns KW por aí.
a gente anda em bando. e se assanha em grupo. e
sonha junto. e dá passos sós. mas sabemos que dali a pouco a gente vai tá n'algum
canto onde a gente possa cantar. e se não fosse assim, nosso canto seria afinado e
dolorido, porque a gente sabe, bem no fundo, que a gente só serve pra desafinar.
a gente já não dança desenfreadamente como antes.
estamos descobrindo nossos limites e, de algum jeito, tentamos alargá-los. mas o melhor de tudo
isso é que a gente envelhece ao mesmo tempo. e na velhice, enlouquecemos muito
e juntos. a gente ainda é muito capaz de perder a condução, a pública e não de
qualidade e a da razão, aquela que diz que a gente tem que acordar cedo no dia
seguinte. a gente sabe que na ressaca, precisa de atenção e cuidados que
dispensava antes, mas esse é o preço que se paga por ser louco e
louca na nossa idade.
tudo um bando de velho e louco. todavia, a gente
sabe que dentro de nós, a gente é sol, que morre e nasce todo dia. a gente sabe
que existe o dia todinho pra se reinventar. a gente não tem futuro. a gente não
quer sê-lo. a gente gosta das horas. por isso que a gente as gasta. e se for
com a gente, melhor.
endurecemos sem perder a ternura. e nosso ópio são
nossos sonhos e tudo o que a gente aprendeu e envelheceu com eles. só eles que
nunca envelhecem. nem a gente, enquanto eles viverem.
a gente tá velho, mas a gente tem loucura suficiente pra se recusa a ser.